Deslocamento Criativo
PESQUISA 
  
A pesquisa qualitativa tem como objetivo conhecer o perfil do refugiado que atua com economia criativa, buscando compreender: sua relação com o Brasil e a inserção das atividades de economia criativa neste contexto, seus planos e sonhos, necessidades e expectativas relacionadas a estas atividades.  Através destas ações o projeto busca dar visibilidade para a multiplicidade de narrativas sobre a presença dos refugiados no país – destacando sua contribuição positiva em termos culturais e econômicos.  
  
Ótima leitura!
METODOLOGIA
Para alcançar estes objetivos foram realizadas duas abordagens metodológicas: qualitativa e quantitativa. Os resultados aqui apresentados referem-se exclusivamente à pesquisa qualitativa. 

A pesquisa qualitativa foi realizada através de entrevistas presenciais (face a face) ou telefônicas, com cerca de 30-60 minutos de duração, com entrevistadores experientes neste tipo de abordagem e sob orientação de um roteiro com perguntas abertas previamente definido;
A pesquisa qualitativa tem como objetivos: compreender as percepções dos entrevistados sobre sua condição como refugiado no Brasil especialmente em relação à sua atividade de economia criativa. 


Na execução das entrevistas, a pesquisa qualitativa tem como características:

- garantir sigilo sobre a identidade do respondente e estabelecer um rapport com o entrevistado, permitindo que ele se sinta à vontade para exprimir suas experiências, valores, pensamentos e sentimentos;

- investigar em profundidade as razões e motivos das percepções destes entrevistados – usando como base referências em psicologia e antropologia (posição de escuta sem colocação dos valores do próprio entrevistador, colocar-se no lugar do outro, identificar e analisar conteúdos manifestos e não manifestos pelos entrevistados).

A amostra total da pesquisa qualitativa foi de 15 entrevistas em profundidade:

O objetivo da pesquisa qualitativa é investigar em profundidade os valores, sentimentos e razões dos indivíduos de forma a identificar dinâmicas e padrões subjacentes entre pessoas de um determinado segmento. Desta forma, a pesquisa qualitativa trabalha com amostras não-estatísticas e de tamanho reduzido,  sendo necessária apenas um tamanho de amostra que permita se observar a repetição da investigação até se obter insights sobre estas dinâmicas.

Desta perspectiva, a realização de 15 entrevistas trouxe insights relevantes sobre as vivências dos refugiados da cidade de São Paulo em relação aos objetivos em foco.

PERFIL DA AMOSTRA

​​O perfil da amostra foi montado de forma a garantir uma variedade de características:

3 congoleses
1 angolano
5 sírios
3 palestinos com entrada via Síria
2 do Senegal
1 da Guiné Bissau

Em termos de áreas de economia criativa:
3 línguas
1 comida
1 vídeo
3 música
1 literatura
1 artista plástico
1 dança
4 moda, perfume  e cabelo

Em termos de sexo:
9 homens;
6 mulheres.
  

Desafios da pesquisa 

Esse campo de entrevistas trouxe dificuldades particulares: trata-se de um segmento de pessoas disperso na cidade que, embora transite em tornos de núcleos (organizações, grupos religiosos, culturais etc.), precisa ser acionado por meio de indicações de pessoas de confiança.  Acionar essa rede, uma a uma (conforme a nacionalidade e mesmo conforme a religião), não foi fácil;
observa-se um certo receio em parte deste segmento de pessoas em se expor. Como alguns vêm de países onde ocorre perseguição política, há cuidado por parte destas pessoas. 

IDENTIDADE

Cada um tem sua história

 Ser refugiado caracteriza uma situação de entrada do imigrante no Brasil, a qual tende a estar associada a alguns tipos de vivências que são comuns na maioria dos casos entrevistados. Ao mesmo tempo, cada um tem sua história pessoal, trajetória e visões de mundo que os tornam singulares, e que vão também influenciar sua inserção no país e numa visão mais positiva ou mais negativa desta vivência;  

Ser refugiado

 Assim, há entre os entrevistados quem abertamente critique e questione, sem entender: “por que os brasileiros insistem em me chamar de refugiado(a)”?  

Surgiram também críticas de refugiados que se sentiram usados por pessoas que pretendiam ajudá-los mas: ou subvalorizaram seu trabalho (pagando menos por uma apresentação artística, por exemplo, a pretexto de ser um evento “para promover os refugiados”, feito com poucos recursos), ou não lhes deram o devido crédito ou respeito que esperavam: por exemplo, serem personagens de entrevistas para a mídia, projetos escolares, documentários, sem serem informados do objetivo da abordagem, do retorno do material divulgado  ou comunicados sobre sua repercussão;
Expressou-se nesta crítica um “sentir-se tratado como um objeto – o refugiado” e não como um indivíduo singular (o artista X, o profissional Y);

Analiticamente podemos interpretar esse incômodo como uma reação a uma narrativa única, que simplifica o sujeito.
MAIS RESULTADOS

A sociedade e os refugiados

 ​No entanto, a identidade de refugiado é uma atribuição que parece ser sobretudo externa ao indivíduo – isto é, é o país que os recebe (governo, instituições e sociedade em geral) que se utiliza desta terminologia  para nomeá-los e classificá-los, muitas vezes com boa intenção:

formam-se as ONGs e trabalhos sociais para refugiados, a sociedade organiza eventos para divulgar os trabalhos dos refugiados, o governo estabelece direitos e facilidades para os refugiados, etc. Já o próprio “refugiado”  vai às vezes dialogar com essa identidade com um certo incômodo:  

Refugiado é transitório

Já o próprio “refugiado”  vai às vezes dialogar com essa identidade com um certo incômodo: por ser transitória (o objetivo do refugiado é conseguir um visto permanente e construir uma nova vida no país, e não ser eternamente “refugiado”); por minimizar diferenças entre os indivíduos e grupos (agrupa diferentes nacionalidades, culturas, situações de refúgio e adaptação ao país numa mesma visão);
por trazer imbuído um imaginário social com aspectos negativos, como dó e vulnerabilidade de quem os olha.

A palavra do refugiado

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 "Eu queria entender por que me chamam para fazer evento, eu agora sou uma profissional, cantar agora é minha profissão, mas não me pagam o cachê como pagariam se eu fosse brasileira. Isso acontece muito. Além disso, a palavra “refugiado”. Eu já era refugiada na Síria, 30 anos na Síria, mas nunca me chamaram de refugiada. Me chamavam de palestina. Mas aqui, cada momento, cada chance, cada entrevista, cada evento, cada dia, todos os dias, me chamam de refugiado! Eu tenho filho brasileiro agora, mas eu vou ficar refugiada sempre? Eu não entendo por que. Não tenho vergonha, mas por quê?? Não precisa lembrar sempre que é refugiado. Sou cantora árabe. E não cantora palestina refugiada da Síria. "
(Palestina, mulher, música).

"Gostaria de agradecer ao Brasil, a forma como recebeu a gente. Não sinto que sou refugiado mais, porque recebeu sem preconceito. A gente não foi tratada assim nos países árabes."
(Síria, homem, moda). 

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TRAJETÓRIAS

Tende a ser comum à maioria dos entrevistados

É comum aos entrevistados

​​- terem chegado ao Brasil com poucos recursos e pouco ou nenhum planejamento sobre aspectos práticos como: onde morar, como se empregar, como se manter, já que se deslocaram por necessidade, não por livre opção, alguns de forma fugidia e emergencial;

- o relato (com espanto) de ter sido fácil ingressar no país, mas difícil se estabelecer;

 - a percepção (com espanto) de uma ausência de apoio governamental sistemático assim que chegaram ao país

– tanto em termos de subsistência (eventualmente, alguns relataram receber o benefício de bolsa-família de forma temporária) como também na ausência de informações sobre aonde ir de forma imediata, como fazer para se estabelecer etc.

- terem se valido de uma rede de apoio da comunidade de imigrantes da mesma nacionalidade e Ongs/Instituições sociais para o acolhimento nestes primeiros momentos;

- quando são os primeiros da família a ingressarem no país costumam trazer mais familiares ao longo do tempo;
 
De forma geral, mesmo para quem está no Brasil há pelo menos três anos, a situação dos entrevistados ainda é de uma preocupação constante em conseguir se manter economicamente e pagar as contas do dia a dia, às vezes com risco até de fome.

Os refugiados consideram o Brasil um país caro. Alguns moram na periferia de São Paulo ou da Grande São Paulo. Tende a haver uma base instável de ganhos;

A crise econômica tem afetado diretamente os refugiados, diminuindo as oportunidades de trabalho ou de venda de seus serviços em economia criativa.
  

A palavra do refugiado

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 "Para quem teve que se afastar dos pais aos 14 anos, morar em uma casa abandonada em um matagal, usar uma mesma roupa por 30 dias, ir para a faculdade descalço e alimentar-se de doações, tudo no Brasil para mim foi bônus. Sírios chegam [sic] no aeroporto e não sabem para onde vão. É difícil, não sabem a língua.(..) A gente está ajudando a gente mesmo. Estamos fazendo muitas coisas para conseguir o material e abrir nosso negócio". 
(Síria, mulher, moda)

"Quando eu cheguei [sic] nessa casa (abrigo de uma instituição) foi a primeira vez em que me senti segura. Foi a primeira vez que senti, estou em casa agora.(...) Num lugar que você não conhece nada, aí tem que tomar uma posição para conseguir se levantar. E aí, tudo que aparecia na minha frente eu pegava, todas as oportunidades eu não deixava passar. (...) A língua foi difícil, até hoje é difícil. (...) Até hoje estamos tentando nos encaixar...é difícil (ela e seu marido, no Brasil)".
(Congo, mulher, gastronomia)

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SONHOS

Objetivos, planos e sonhos das pessoas em refúgio

Reconstruir a vida

O refugiado chega ao Brasil buscando reconstruir sua vida e a de sua família. Assim, não se trata só de buscar a segurança perdida em seus países – no caso dos refugiados que passaram por situações de violência – mas de retomar a perspectiva de um maior controle e planejamento de vida, de um futuro, de estabilidade e da possibilidade de sonhar;

Os refugiados sonham – seus sonhos muitas vezes não são pequenos. Foi comum observar terem planos de ampliar suas atividades (abrir uma loja numa galeria, ou expor sua arte numa galeria, criar cursos à distância para ampliar seu público, realizar um documentário etc.). O sonho é um guia que os alimenta a persistirem na luta do dia a dia para se estabelecerem no país, e se contrapõe à desesperança que abate sobre eles algumas vezes.

Olhando para si e para sua trajetória, alguns entrevistados se veem mais fortes que “o brasileiro”. Trabalham muito, estão sempre lutando, procurando fazer contatos. Embora esta também seja uma simplificação do outro (neste caso, do “brasileiro”), é uma forma de traduzirem um movimento de busca que não se acomoda – até porque têm pouco para se acomodar.
   
Diferentemente de um morador nativo - que já tem um histórico de pertencimento a uma comunidade, família por perto, e um padrão de vida socioeconômico estabelecido – o refugiado tem pouca ou nenhuma destas referências no novo país (eventualmente apenas algum parente que chegou antes). Tudo está por se construir.

Assim, quando chegam, a situação é muitas vezes sentida como um “tudo ou nada”: se não conseguirem se estabelecer economicamente, terão que partir novamente e tentar reconstruir a vida em outro lugar. Alguns de fato já passaram por outros países – e outras tentativas de se estabelecer – antes de vir ao Brasil;

Mas, com o mundo fechado a eles (alguns sírios ressaltaram a dificuldade em serem aceitos em outros países), estão sempre ativos, buscando novos trabalhos e fazendo novas apostas em oportunidades que lhes aparecem, tentando ampliar suas chances de garantir uma estabilidade financeira para poder continuar a nova trajetória iniciada aqui.
 

Refugiado é transitório

Mais relevante tende a ser a dificuldade em aproveitar a formação acadêmica original no Brasil – no caso de quem já tinha nível superior ou trajetória profissional estabelecida.
Esse desejo é sempre latente. Foram entrevistados vários profissionais que, em seus países de origem, trabalhavam como jornalistas, advogados, cinegrafistas, artistas plásticos, e que aqui trabalham ou trabalharam na construção civil, limpeza, serviços etc. Alguns já fazem ou fizeram novos cursos no Brasil (mecatrônica, administração) buscando facilitar sua recolocação, mas, mesmo assim, relatam dificuldades.

As dificuldades são inúmeras neste sentido e passam por: problemas com a língua, não conseguir validar diploma, não conseguir trabalho, ganhar pouco neste trabalho e não conseguir se manter, ter sua capacidade técnica não reconhecida, minimizada.

O dilema econômico

Para estes entrevistados, o maior dilema tende a ser o econômico: mesmo que dificuldades de adaptação cultural tenham sido mencionadas (especialmente muçulmanos) estas não foram, nesta amostra, tão relevantes;

Porém, nas entrevistas não apareceram de forma significativa falas lamentando propriamente um declínio de padrão econômico em relação ao país natal.

A palavra do refugiado

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 "Meu maior objetivo é ser conhecida internacionalmente como uma especialista em cabelos. Montar um salão completo: manicure, cabelos (corte, penteado, tintura).
(Guiné Bissau, mulher, cabelos).

Meu sonho no Brasil é que a gente consiga uma galeria e colocar suas obras. Pretendo continuar seguindo meu sonho porque eu nasci artista, é isso o que eu vou fazer se puder. (Congo, homem, artista plástico)

A gente não sabe sonhar baixo, sempre tem que sonhar alto.
(Síria, homem, moda e perfumes)

Eu já ouvi diversas vezes que cada africano que vem para cá é um lugar de brasileiro a menos. E não é verdade. A gente quer, através do nosso trabalho, chamar a atenção de quanto os países africanos precisam de algum apoio. (...) Muitos africanos não vieram para cá simplesmente porque não tinham nada na África, mas vieram porque têm um sonho superior a tudo que eles tiveram lá, e querem contribuir para o país também".
(Angola, homem, literatura).

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ECONOMIA
​CRIATIVA

Atividades de inserção econômica e cultural

Impulso empreendedor 

Neste contexto, a atuação em economia criativa, para o refugiado, é uma forma de se inserir econômica e culturalmente no Brasil;

Em geral, é mais uma tentativa, uma alternativa, uma experimentação que pode dar certo. Traduz, assim, uma energia bastante positiva de movimento, busca e transformação;

Para alguns entrevistados o impulso empreendedor é mais “natural”, característico do seu perfil: sírios, especialmente, mencionam que a ideia de abrir seu próprio negócio é parte integrante de sua cultura, desde jovens já são incentivados a isso. Entre outros povos, como congoleses, o impulso por buscar um trabalho fixo tende a ser mais forte, e o estímulo para empreender é mais novo.

Para vários refugiados entrevistados a atuação em economia criativa é um recurso novo – isto é, não era uma área em que já atuavam em seus países de origem;

- Por exemplo, uma palestina que se transformou em cantora, um designer gráfico que agora é professor de línguas, uma mulher que trabalha com alongamento de cabelo e é formada em administração, a cineasta que dá aula de dança palestina, o jornalista que vende perfumes, a advogada que trabalha como recepcionista bilíngue e faz comida congolesa em eventos etc.

- Há a exceção de alguns artistas que já atuavam neste segmento em seus países de origem. Um deles, artista plástico, trabalha aqui simultaneamente em construção civil e com performances; outro já veio como escritor reconhecido.
  
Em algumas destas histórias, a atividade desenvolvida é o resgate de uma prática que fazia parte da sua vida pregressa na terra natal, e que nem possuía então um caráter econômico.

Por exemplo: Quando adolescente, treinava alongamento em espigas de milho e fazia nas amigas; Faz o perfume sírio usado comumente nas barbearias do país, usualmente feito em casa; Cantava nos saraus em casa, com seu pai, e descobriu-se então com uma voz bonita...

Também há casos em que se descobre o valor destas atividades no contexto brasileiro, a partir do olhar de colegas nativos que valorizam e estimulam essa produção, tal como a congolesa que recebeu em casa brasileiros para um almoço e foi incentivada a cozinhar para vender, ou o sírio que era elogiado por ser “cheiroso”, e estimulado a produzir o perfume que usava;

 Alguns relatam surpresa diante da curiosidade do nativo em ouvir sua música, sua dança, sua comida, seu perfume.

Rentabilidade

Porém, em geral na amostra pesquisada, a atividade de economia criativa não provê o suficiente para o padrão de vida desejado - ou até mesmo de subsistência:
 - Em setores de artes – música, dança – a contratação é eventual, e o ganho, baixo;
- Em outros setores, como alimentação, a contratação também pode ser eventual, dependente de eventos;
- Em atividades regulares, como aulas de línguas, o ganho pode ser limitado.

Sendo assim, é comum exercerem estas atividades de economia criativa em conjunto com empregos fixos ou estarem em busca destes empregos fixos.
 
De qualquer forma, as atividades de economia criativa estão sempre ligadas a sua cultura nativa, e exercê-la ressalta aspectos de identidade que mais os fortalece: sua nacionalidade, sua capacidade produtiva e criatividade;
Para o próprio refugiado é, assim, uma forma de construir novas narrativas sobre si – e para si. É, assim, uma forma de empoderamento: vários refugiados entrevistados têm consciência e verbalizam o poder de troca – de ganho mútuo entre brasileiros e migrantes – que sua atividade oferece.

A palavra do refugiado

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 "Na minha cultura não tem nada de carteira de trabalho, de trabalhar para alguém, de ser aposentado – só quem trabalha com o governo, que é 5% da população. Quando faz 14 anos a escola dá 90 dias de férias e sua família vai deixar você em algum lugar para aprender a trabalhar. Faz café, limpa chão, faz entrega. Eu aprendi com meu primo, e peguei o jeito dele
de vender. Carteira assinada não combina comigo, não combina com minha cultura".
(Síria, homem, moda e perfumes)".

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COMUNICAÇÃO

Como estão num país novo, reconstruindo laços, têm também pouco contato e pouco manejo sobre como e onde se comunicar

A comunicação destes serviços relacionados à economia criativa é, ao mesmo tempo, a maior necessidade e seu maior desafio. Sendo atividades relacionadas a serviços culturais, dependem de encontrar um público consumidor, que se interesse pelo diferencial de sua oferta:

- Se por um lado o aspecto cultural traz uma diferenciação que agrega valor ao seu serviço, por outro afunila o público consumidor, dependendo de um nicho de interessados – alguém que goste de comida congolesa (vegetariana, que usa folhas), ou que queira ouvir música ou vestir roupas árabes e africanas, por exemplo;

- Estes empreendedores em economia criativa geralmente não miram só no público imigrante, mas têm em vista o próprio brasileiro.

Comunicação de serviços

Contatos boca a boca

 Há vários relatos de oportunidades que se desenvolveram no boca a boca por apoio voluntário e espontâneo de brasileiros que ajudam a divulgaram os trabalhos e fazem as pontes, a exemplo do artista congolês que foi numa festa e, por acaso, conheceu um artista brasileiro que o ajudou a divulgar seu trabalho, ou da cantora síria que foi convidada para uma apresentação num projeto municipal sem saber exatamente como seu nome chegou até a coordenadora do projeto​;
Porém, para um bom planejamento de ação e metas para sua atividade, a comunicação espontânea no boca a boca é fugidia.

Divulgação

 Eles alimentam o desejo de estruturar formas de divulgação mais amplas;
Vários deles têm página no Facebook, que funciona, porém não traz repercussão suficiente.

A palavra do refugiado

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 "Está na hora de se criar um sistema de comunicação dos imigrantes. Hoje, uma boa parte já conseguiu descobrir um sistema de comunicação, mas antes, era cada um por si. E hoje eles conseguem enxergar que temos questões em comum, e a nossa luta, nossa causa, precisa que estejamos próximos. (...) Um sistema que possibilita ampliar as iniciativas de empreendedorismo, como essa plataforma que vocês estão desenvolvendo, acho que seria fantástico. Há muitos irmãos que não sabemos onde estão e o que estão fazendo".
(Angola, homem, literatura).

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DESAFIOS

Principais desafios e necessidades

Divulgação dos serviços, portanto, é uma grande necessidade:
Como trabalham muito para a sobrevivência do dia a dia, têm pouco tempo para desenvolverem atividades de divulgação (por exemplo, um website) ou investirem em atividades de contato, pedem ajuda neste sentido.
Apoio financeiro para ampliar seu negócio: esperado por aqueles que exercem atividades de venda direta de produtos (roupas típicas, perfumes, aulas de idiomas) e desejam estruturar e ampliar o negócio (abrir loja, confecção, montar plataforma de e-learning etc.). No entanto têm dificuldade e receio em buscar empréstimos em banco, principalmente pela instabilidade financeira;
  
Em alguns casos também vislumbram a possibilidade de participação em editais, mas têm dificuldade com a língua e processos;


Apoio

 Alguns também colocam a necessidade de parcerias comerciais, com empresas – e de serem tratados eles próprios como empresas, e não indivíduos;

Ressaltam, também, o desejo de serem tratados como profissionais – e não como “refugiados”.

Muito importante, essa demanda busca um equilíbrio na relação com a população, empresas e instituições brasileiras. A condição de refugiado, para eles, pode levar a um desequilíbrio de forças – em função da imagem de vulnerabilidade.
  

A palavra do refugiado

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 " Eu estou aqui, preciso de ajuda. Os brasileiros gostam de mim e da minha arte, preciso de apoio para poder trabalhar.
(Senegal, mulher, moda e dança)
Estou precisando de ajuda para fazer mais divulgação.
(Congo, mulher, gastronomia).
Comunicação, para nós que vêm de fora, é difícil. Se fosse um artista que vem da Europa seria mais fácil.
(Congo, homem, artista plástico)
Nós precisa [sic] que vocês conecta nós refugiados com empresas parceiras. Para fazer cursos online. Isto é muito difícil para nós, chegar nestes parceiros. Precisamos chegar nas televisões, nos jornais. Precisamos apresentar nossos projetos. Nos ajudar como empresa e não como indivíduo".
(Sírio, homem, ensino de línguas)

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BRASIL

A relação do refugiado com o Brasil

A chegada ao país

  
Na chegada ao Brasil, alguns foram ajudados a fugir, mas sequer sabiam que estavam vindo ou desembarcando aqui, no caso de viagens de navio. Outros vieram melhor informados – pesquisando tudo o que podiam na internet.

A relação com o Brasil em geral é positiva, sobretudo de gratitude por terem tido:

- As “portas abertas”:  direito de entrada sem as restrições que encontraram em outros países – direito a documentação, a trabalho, a abrir conta em banco;
- Situações de acolhimento junto à população local. Admiram especialmente apoios que receberam de vizinhos, pessoas próximas e desconhecidas;

No entanto, há críticas sobre a situação instável em que vivem (fontes de renda não contínuas, que os deixam em situação vulnerável):

- Alguns destacam esperar do governo uma rede de proteção social maior para essa situação;
- Os entrevistados que se encontram em situação de maior fragilidade, passando inclusive situações de fome, reclamam mais da falta de apoio e acolhimento.
    
Em relação à rede de apoio organizada e institucional, apontam algumas críticas:

- Há quem destaque que as ONGs atuam de forma fragmentada e parcial, não e juntam as forças. Do ponto de vista do refugiado que recebe o apoio destas ONGs, existe a expectativa de realmente estarem protegidos sob uma rede constante e malha abrangente. Por isso, reclamam: do apoio com prazo curto (abrigos cuja permanência tem prazo de meses), da falta de continuidade no apoio a iniciativas empreendedoras (sírio que dava aula em uma ONG e decidiu empreender deixou de ter qualquer apoio posterior);
 
- Alguns são mais críticos e apontam o sentimento de se sentirem usados por ONGs e empresas que apoiam refugiados – trabalhar, mas não receber direitos trabalhistas instituídos.
  

A busca por pontes

- Observa-se neste perfil de refugiados – que atuam em economia criativa – que tendem a estabelecer laços com pessoas locais, e não têm intenção de se manter fechados nas comunidades dos seus conterrâneos. Alguns explicitam o desejo de fazer pontes, integrar-se à sociedade brasileira;

- Já a percepção sobre sentir-se ou não discriminado – por sua origem, raça ou religião – depende da trajetória de cada um. Alguns apontam que não sentiram discriminação (especialmente se comparados à percepção que têm sobre o tipo de recepção dos refugiados em outros países) enquanto outros contam situações nas quais entendem que, sim, foram tratados de forma diferente (e pior) por suas características, tanto pela população local no dia a dia (nas ruas, no metrô) quanto por instituições (uma palestina aponta que numa instituição católica foi tratada por último, em função de ser muçulmana).
  

A palavra do refugiado

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 Em muitas entrevistas no Brasil, me disseram que eu estou over qualified. Tenho qualificações demais. Trabalhei em algumas produtoras no Brasil, mas eu não fiquei satisfeito. Eles acolhem o refugiado mas não confiam na qualificação do refugiado. Na minha companhia na Síria eu trabalhava com uma tecnologia que ainda não existe no Brasil, mas aqui eles não confiam, não me dão tarefas realmente compatíveis. (...)
(Síria, homem, cinegrafista)
 
Porque Brasil é melhor,  depois da guerra da Síria fui pra Jordânia. Lá todos têm medo de refugiados sírios, não empregam porque o governo pode até fechar a empresa deles. Parte da família continua na Jordânia e Egito.”
(Síria, homem, ensino de línguas)

O governo brasileiro recebeu os refugiados, mas se você quiser alugar uma casa, se quiser abrir conta em banco, tudo depende da sua situação econômica.
(Síria, mulher, música)

Eu acho que foi pelo acolhimento do povo brasileiro que hoje estou morando em SP...tem tanta gente que me acolheu sem me conhecer...até as pessoas da rua, os vizinhos que me viam passando...que me deram alguma coisa para eu fazer, para eu consegui um pouquinho de dinheiro para ajudar... me ajudaram a conseguir emprego de carteira assinada. Por exemplo, há três anos recebo uma cesta básica todo mês de uma pessoa que nem conhecia, imagina? (através da ONG IKMR). Como eu não vou agradecer?! Pessoalmente eu sou muito agradecida ao povo brasileiro.
(Congo, mulher, gastronomia).

Você chega no [sic] Brasil, tem que procurar a comunidade congolesa, africana primeiramente. A questão do refúgio no Brasil é nova, aqui você tem que se virar, não tem planos que facilitem a integração. (...) Não posso subestimar o potencial que o Brasil tem, é signatário da convenção, mas não tem um planejamento (...). Aqui no Brasil estou feliz, estou fora das ameaças, encontrei alguns brasileiros de bom coração que entendem que os que vieram não queriam vir e isso também poderia acontecer com eles... Eles que ajudam. Mas para o imigrante, especialmente africano, se adaptar não é fácil. 55% de quem entrou não fica. (...) O brasileiro tem os seus problemas, a gente sabe, o tempo que estou aqui a gente entende. A gente consegue se virar, mas pelo menos o brasileiro tem o colchão social, é o país deles, eles sabem aonde procurar as coisas. Para o imigrante ele não sabe nada. Não sabe a língua, o que pode fazer para sobreviver, na casa de migrante é só três meses e se não conseguir emprego será expulso, por isso muitas pessoas não conseguem ficar.
(Congo, homem, línguas)

Eu no começo não acreditei, se o mundo inteiro é fechado por que no Brasil seria aberto? Estou aqui há três anos... e estou bem! A gente está vivendo dia por dia, mês por mês... não tem alguma coisa tranquila para aguentar um ano. Então tem que ir atrás.
(Síria, homem, moda e perfumes).

Trabalhar com refugiado tem que ter regras, oferecer os direitos porque se refugiados começam pedir os direitos eles mandam embora, sem direitos, sem pagar taxas. "
(Sírio, ensino de línguas)
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Conclusões

Ser refugiado no Brasil é uma condição que nomeia estrangeiros com uma forma de entrada específica no país, mas que traz consigo uma carga de significados e histórias que se multiplicam e tendem a traduzir um quadro de necessidades e expectativas parecidas, bem como vivências semelhantes entre diferentes povos;

Há, porém, um “perigo” no olhar para esta condição de refugiado – o de se fixar numa história única. Especialmente, fixar na condição de vulnerabilidade – a qual, ao mesmo tempo que desperta solidariedade e mobiliza ações de apoio, espontâneas ou organizadas, também provoca um desequilíbrio nas relações. Um olhar que “fragiliza” e vitimiza também desempodera;

Isso pode gerar, inclusive, situações concretas de desrespeito – a exemplo dos relatos nesta pesquisa, de refugiados atuando de forma profissional em economia criativa (dança, música, moda, artes plásticas, línguas etc.), mas sendo remunerados abaixo do mercado, sem terem atribuições de trabalho compatíveis com sua capacidade ou sem terem os mesmos direitos trabalhistas – isso porque seus contratantes acreditam que já os estão “ajudando” suficientemente;

O refugiado de fato precisa sim – e solicita – esta rede de apoio. Principalmente uma rede que possibilite que ele desenvolva atividades produtivas e obtenha seu próprio sustento. Deseja um apoio que não só facilite obter trabalho em áreas de sua formação e profissão como também apoie o crescimento de suas iniciativas em economia criativa;

O refugiado que atua em economia criativa tem um perfil lutador – sempre atuando, buscando uma forma de inserção produtiva, buscando contatos – e tem muitos planos e sonhos. Porém, tem que desbravar e construir todo o arcabouço de sustentação da vida de sua família no novo país, e desenvolver novas redes de relacionamento, precisando, assim, de apoio para minimizar a situação de instabilidade econômica ao mesmo tempo em que investe em uma atividade que começa do zero e quer fazer crescer;

A maior necessidade é apoio na divulgação do trabalho. Para os que já se veem num estágio de ampliar suas iniciativas e precisam de estrutura física, produtos e equipamentos (lojas, escolas), desejam acesso a financiamento;

Vale pensar, finalmente, na necessidade do cuidado com o uso da terminologia de “refugiado”. Da perspectiva do próprio refugiado, trata-se de uma condição vivida como transitória e que não deseja carregar o tempo todo nas suas relações com a sociedade que os acolhe. Há, enfim, um desejo para um balanceamento de histórias, nas quais sua identidade seja olhada e ouvida em sua multiplicidade: congolesa, nigeriana, palestina, síria


E muçulmana, E feminina/masculina, E negra, E artista, E empreendedora, vulnerável e forte etc.